sábado, 5 de maio de 2012

O teu casaco

Expiro e inspiro
sempre o mesmo ar,
corro e transpiro
só para te ir vigiar,
de longe, só vendo uma mancha,
mas sei que és tu.
Olhando-te sofro menos,
há sempre a maldita esperança,
e há ao longe um múu.

A tal mancha move-se atarefada,
aproximar não posso,
quero ver sem ser vista.
Sento-me e ao chão fico colada,
se me visses me darias água do poço?
Talvez um pouco de indiferença mista?
Ou meio grão de mostarda?
Mas eu aguardo, não sei o quê,
talvez a noite, que me dará frio
e coragem de bater nessa porta.
Ao não saber o que fazer sorrio.

Ouço uma harmonia linda demais,
grilos e outros bichos fazem seu concerto,
só não há conserto é para mim.
Vejo nenhum sol, é noite e tu te vais,
não imaginas quem espia por perto,
tua fadiga não tem fim,
vais para dentro e eu me aproximo.

Espiar-te será sempre um segredo meu
ou um dia descobrirás tudo?
Sem medo da resposta colo-me à janela,
o casaco teu no banco,
a sala estudo.
Está vazia, vapor sai de uma panela.
E já comia bem qualquer coisa!
Bato à porta.
Ouço alguém desligar o chuveiro,
mas é alguém seco que me abre a porta.
Teu sono era mais forte que teu sorriso,
reconheceste-me, embora parecesse uma morta,
era tanto o frio,
talvez por isso não me deixaste na rua.
Por momentos esqueci que sabia falar,
e disse um boa noite,
que nem os meus ouvidos ouviram,
mas como viste minha boca mexer
disseste para me sentar,
tiraste um prato, serviste-me o jantar.
Eu agradeci desta vez mais alto,
sorriste, mas sempre sem perder o cansaço,
eu provei aquela sopa, sabia tão bem!
Acho que foi a melhor que eu comi,
qualquer pedaço de terra
saberia bem naquela altura,
mas tinha de me ir embora.
Deste-me o teu casaco.
E eu corri sem saber por onde.
O cheiro da chuva e do teu casaco
eram a mistura perfeita,
a chuva vem, em hora má,
sinto os pés fracos,
caio para uma rua estreita,
olho para trás, seguiste-me!
E o teu sono desaparecera,
a mão direita esticaste
mas eu não a agarrei,
nesse segundo desmaiei.

Acordei sem o casaco,
procurei, não vi nada.
Estava num quarto de hospital,
com uma carta pousada ao lado,
abri curiosa, mas entendia-se mal,
era a tua letra, senti o cheiro do teu pulso.
E a tinta contava as tuas desculpas
de não estar aqui quando eu acordasse,
nisto olho o chão,
o casaco, o cinzento casaco estava ali.
Peguei e adormeci naquele hospital
agarrada a ele, e não me lembro de acordar mais.

1 comentário:

  1. Mandei outro comentário, não sei se prestou. Dizia que achei o texto muito bom! Beijos

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